Meu amigo “capitalista”
5 de janeiro de 2025“BUFÊ ESPIRITUAL” – LITURGIA DE 6 DE JANEIRO DE 2025
6 de janeiro de 2025A vida apresenta situações que geram aprendizados surpreendentes. Compartilho aqui algo que me foi de grande importância para ajustar muitos conceitos – ou talvez pré-conceitos – com que até então compreendia a realidade da vida econômica.
Cônscio de que em toda apreciação há o risco de se incorrer em equívocos, assevero que apresento o que segue de forma sincera e cuidadosa, com o mais elevado intuito de apresentar as coisas como de fato as experienciei.
Observando a realidade de famílias de migrantes oriundos de áreas assoladas por verdadeiras ondas de miséria, sensibilizado com situações de expressiva precariedade existencial, buscando contribuir, principiei fazendo doações, dentro do que meu orçamento permitia.
Com pesar percebi que doações reiteradas geravam acomodação, a ponto de ter sido rechaçado ao não atender um pedido após ter contribuído várias vezes. Ofertei trabalho, mas isso não agradou a pessoa que eu até então havia atendido com solicitude e prontidão. Sentiu-se decepcionado e demonstrou claramente sua insatisfação.
Tive experiência similar com outro, que habituou-se a receber e também se comportou de forma imprópria, muito distante do razoável que se poderia esperar de uma pessoa que foi acolhida com expressiva benevolência.
Persisti no propósito de contribuir e então busquei viabilizar oportunidades de trabalho, tendo ali, na convivência diária, me deparado com situações que me fizeram refletir sobre o que atraiu tanta malventura sobre aqueles seres. Pessoas com muitas qualidades, seres humanos a quem sempre respeitei e com as quais mantenho um trato de urbanidade e cortesia, porém a realidade, o dia-a-dia me levaram a perceber o que mais necessitavam.
Perseverei em meu intuito caritativo e a grande compreensão que eclodiu foi que uma das formas mais elevadas de contribuição para a satisfação das necessidades materiais é auxiliar as pessoas a manter atitudes coerentes, a partir de valores e princípios. Passei então a estabelecer nas relações de trabalho com os que pude abranger com essa oportunidade um trato focado na educação e percebi o quão expressivo é o potencial educativo do trabalho. No decorrer da graduação em pedagogia, aprendi que o jogo é educativo, pois estabelece regras. Observei que no trabalho também se estabelecem circunstâncias altamente apropriadas para gerar aprendizados sumamente importantes.
Não tenho por objetivo entrar em discussões teóricas a respeito de ideologias, apenas compartilho o que observei, com o objetivo de contribuir para a maior clareza de como as coisas acontecem na realidade, no dia-a-dia. Observando e dialogando com amigos, incluindo os de vertentes ideológicas centradas no ponto de vista de que as pessoas são vítimas das circunstâncias que as envolvem, uma constatação sobressaiu: pessoas honestas e trabalhadoras não se dão mal na vida.
Exemplifico com o relato de um parente próximo: seu pai, agricultor com treze filhos e uma uma área de terra reduzida, não tendo espaço suficiente para todos trabalharem em sua propriedade, incentivava alguns deles a trabalhar nas lavouras circunvizinhas. Pela manhã, antes de se dirigirem à prestação de serviço aos vizinhos, ele fazia questão de lhes lembrar: “Meus filhos, lembrem-se: trabalhem direito, honrem nossa família!” Eu sou testemunha do resultado dessa orientação e da obediência a ela: os treze filhos – sendo que apenas um deles chegou a concluir curso superior – se tornaram pessoas bem-sucedidas e encaminharam bem os seus respectivos filhos.
Lembro nitidamente de muitas visitas que realizei àquele lar de numerosos filhos e me ficou gravado na memória o momento da oração antes das refeições, bem como a participação assídua de todos na missa dominical. Penso que tal cultura de cultivo espiritual também corroborou para a estabilidade do hábito de laborar e evitar a perda do rumo com hábitos dissolutos.
Tudo o que tenho observado a respeito dessa temática me leva à conclusão de que proporcionar boa educação para o trabalho se constitui a maior das caridades no sentido da satisfação das necessidades materiais, tendo fortes razões para afirmar: quem é honesto e trabalhador não se dá mal. Pode até passar por situações de transitórias dificuldades, mas tudo vai se organizando, passo a passo, pois a pessoa honesta e trabalhadora está como que “programada” para gerar soluções e não para criar/agravar problemas.
Ampliou essa clareza a observação de alguns vizinhos oriundos de regiões subdesenvolvidas. Observando-os em situação de precárias condições, sentia-me contristado em relação a eles. Dialogando ocasionalmente com o esposo, me inteirei de que ele começou como servente de pedreiro na construção civil, aprendeu o ofício de construtor, montou o próprio negócio e passou a trabalhar como autônomo, melhorando significativamente a situação, conseguindo inclusive adquirir um veículo de razoável qualidade. Sua esposa, por sua vez, começou trabalhando como auxiliar em uma sorveteria, aprendeu tudo a respeito da atividade… Então montou sua própria sorveteria. E em um espaço de tempo relativamente breve melhoraram significativamente a situação econômica, mudando de residência, evoluindo financeiramente a partir do trabalho honesto.
Em sentido contrário, acompanhei também de perto a trajetória de uma família na qual o pai, envolvido com maus hábitos, em especial o alcoolismo, desprezava o trabalho. Os filhos, desorientados, passaram por muitas agruras, tendo sido inclusive presos, exceto a filha, que seguiu o exemplo da mãe e se manteve honesta e trabalhadora. Do mesmo modo que com os filhos ocorreu com alguns dos netos do homem que rechaçava o trabalho. Dos filhos e desses netos alguns se recuperaram, passando a buscar no trabalho honesto a fonte de subsistência, desistindo dos negócios obscuros. Outros permaneceram no que popularmente se designa como “malandragem”, alternando entre os estabelecimentos prisionais e a rua, na condição de adictos, alcoólatras inveterados e envolvidos em atitudes dissolutas diversas, como frequência a casas de prostituição, consumo de drogas etc.
Tais observações me levaram à conclusão de que as pessoas que ofertam trabalho para as pessoas se constituem, ainda que não se dêem conta de tal condição, em ministros da satisfação das necessidades materiais. A palavra “ministério” origina-se do latim ministerium, que significa “ofício próprio do servo”, sendo seu sentido religioso, na perspectiva cristã, o de serviço prestado em nome de Cristo.
Em minha pequena experiência de “ministro da satisfação das necessidades materiais” percebi o quão árduo se constitui tal mister: é necessário dominar tecnicamente a atividade, prover os recursos, organizar o trabalho, orientar a execução, supervisionar a qualidade, arcar com os riscos inerentes à atividade, preocupar-se com os múltiplos detalhes para que tudo ocorra da forma correta, no tempo certo…
Em tudo na vida distorções tendem a ocorrer e nem todos exercem tal mister como deveriam, porém com profunda convicção considero que as pessoas dedicadas a esse ministério, o da satisfação das necessidades materiais, exercem o papel mais fundamental na sustentação da vida econômica da sociedade, no suprimento de alimento, vestuário e das mais diversas necessidades materiais.
Me foi de grande utilidade descortinar com meridiana clareza essa realidade: assim compreendi que uma das formas altamente qualificadas de caridade é proporcionar oportunidades de trabalho digno para as pessoas, contribuindo para que se tornem aptas à autonomia, ao auto-sustento…
Compreendo que o sublime ensinamento cristão se constitui norte para o excelente direcionamento nesse sentido, conforme Colossenses 3,23: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como para o Senhor e não para os homens […].” Assim devem proceder os patrões em relação aos seus prestadores de serviços e do mesmo modo estes para com os patrões – esse é o norte, o desígnio divino para a questão.
Nesse busca enfrentei muitas barreiras e dificuldades, mas nada me demoveu de labutar com o espírito acima apresentado e me sinto no dever de compartilhar algumas experiências amargas com vistas a preparar os que se inspirarem no que aqui se apresenta para não desanimarem.
Em um dos empreendimentos em que atuei como ministro da satisfação das necessidades materiais, proporcionando oportunidades de trabalho, na ocasião, para sete pessoas, em uma segunda-feira chuvosa, em um momento em que necessitava um empenho especial de todos para concluir a etapa em curso, apenas um veio trabalhar. Os outros simplesmente faltaram, sem avisar.
Telefonei para o mais velho, ele respondeu: “Hoje estou sem vontade trabalhar”. Percebi que ele disse desse modo para evitar maiores constrangimentos – a modo de “meia verdade”… se fosse efetivamente veraz, teria dito: “hoje está bom para ficar dormindo”.
Telefonei para outro, que por sua vez daria carona a mais um, ele deu uma desculpa esfarrapada, alegando que o pneu do carro havia furado (o que poderia ser concertado em alguns minutos em uma borracharia)… Os demais estavam com seus respectivos telefones fora da área de serviço. Dentre esses, um eu havia procurado pessoalmente no dia anterior (domingo) e encarregado de ficar com a chave, em decorrência de ter um compromisso assumido com a Igreja e estaria fora até o meio-dia. Em decorrência da chuva, a atividade da Igreja foi transferida, então estava lá para receber o único que foi…
Em outra ocasião eu fiquei muito contente de poder auxilar um morador de rua que me pediu insistentemente oportunidade de trabalho. No outro dia cheguei lá e ele havia sumido com todas as ferramentas, depois fiquei sabendo que as tinha vendido para comprar droga…
Houve um caso em que proporcionei a oportunidade a um jovem trabalhador – muito esforçado por sinal, mas sem qualificação alguma – para fazer serviços gerais e oportunizei-lhe após algumas semanas de trabalho que praticasse uma tarefa que o levaria a aprender um ofício mais qualificado e posteriormente uma remuneração melhor. Em uma quinta-feira à noite enviei-lhe uma mensagem pedindo-lhe que no outro dia se dirigisse até um determinado local para auxiliar na carga e descarga de uma mercadoria. A resposta que me deu: “Eu agora sou profissional, não sou carregador.” Ou seja, promoveu a si mesmo prematuramente, negou-se a fazer o serviço para o qual havia sido contratado. A resposta que lhe dei: “Eu lhe pago para fazer o que eu preciso que faça e não o que você quer fazer. Sugiro que monte sua própria empresa.” Penso que com tal resposta ele tenha aprendido uma noção elementar da cultura do trabalho: não se escolhe serviço, faz-se o que é necessário fazer.
Poderia citar dezenas de eventos semelhantes, de negligência, desídia etc… Mas também de comportamentos virtuosos, de esforço, dedicação… O mundo do trabalho se constitui, pois, um campo de empenho que necessita de muita dedicação e as pessoas responsáveis maiores pela execução dos mesmos, os empreendedores, exercem na sociedade de forma análoga o que se designa popularmente pela expressão “arrimo de família” atribuída a quem se constitui o principal (em alguns casos o único) provedor da família, a pessoa que com seu trabalho providencia os recursos materiais para a manutenção da família.
No caso dos ministros da satisfação das necessidades materiais, são os que organizam, viabilizam a oferta de oportunidades de trabalho, no exercício de suas funções, geralmente estendem tais oportunidades de trabalho e muito, podendo assim ser considerados como arrimos de famílias no plural. O arrimo de família dá suporte, sustentação… à própria família. E os arrimos de famílias no plural são aqueles em que os que o são no singular se apoiam para exercer sua nobre missão.
Me ocorre mais uma analogia: no exército, por exemplo, há cabos; sargentos; tenentes; capitães; coronéis etc., correspondendo cada uma dessas patentes a responsabilidade por um número de soldados maior ou menor… e na Igreja há os ministros dedicados a diversas atividades auxiliares; os diáconos; os presbíteros; os bispos; os arcebispos; os cardeais etc.; até chegar ao Papa, cabendo a cada uma dessas funções uma carga respectiva de responsabilidade, de modo similar ocorre no âmbito do que aqui me pareceu apropriado designar como ministério da satisfação das necessidades materiais.
Há micro-empreendedores que têm sob sua responsabilidade um funcionário; há empreendedores de diversos níveis, que têm sob sua responsabilidade